Saturday, August 25, 2007

In Memoriam Eduardo Prado Coelho



A ciência resolve problemas, mas nada resolve o Problema. Escrever é descobrir que para certas coisas a ciência é inútil, que a poesia vive dessa inutilidade, e que só por isso é preciso continuar a escrever.
Eduardo Prado Coelho
Cruzei-me várias vezes com o Professor Eduardo Prado Coelho. Logo aos 18 anos, quando iniciei os meus estudos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o seu nome era sempre referenciado em todas as bibliografias de estudo. Os seus ensaios, sobretudo sobre poesia portuguesa contemporânea, eram referências incontornáveis, luzes sobre os textos que abriam novos caminhos à interpretação. O homem que conhecia apenas pelas palavras cruzou-se comigo várias vezes na cidade de Lisboa. Encontrei-o em livrarias, em alguns cafés, em muitos lançamentos de livros, ou nas ruas de Lisboa. Sempre as palavras pelo meio. Há cerca de quatro anos liguei-lhe com um convite: apresentar, no bar de jazz do Bairro Alto - Catacumbas, o quarto número de uma revista que se tentava afirmar no panorama editorial, Textos e Pretextos. Encontrámo-nos na Universidade Nova e a sua simplicidade motivou uma conversa aberta e descomprometida de formalismos. O tema da revista era do seu agrado - O Silêncio - e o espírito do projecto também. "Há que mostrar que o futuro da academia são os mais novos. Que também eles conseguem liderar projectos de grande qualidade", disse-me, num tom que misturava o ensinamento com a esperança na verdade das suas palavras. Trocámos ainda algumas impressões e notei como um tema como o silêncio o atraía e, simultaneamente, intrigava. O Professor Prado Coelho encheu naquela noite no Bairro Alto o pequeno espaço do bar. Atrás dele seguia um grupo de admiradores ou alunos que, por falta de espaço, se sentaram prontamente no chão, apenas para o ouvirem falar. Outras ocasiões se seguiram em que nos encontrámos profissionalmente. Em todas elas a minha certeza reafirmou-se: Eduardo Prado Coelho é um homem de palavras. E utilizo o presente do verbo propositadamente. Quem descobre o valor da palavra e a sua poesia encontra também o sentido da existência.

Friday, August 3, 2007

In Memoriam Henri Cartier-Bresson



Faleceu a 3 de Agosto de 2004. Recordam-se palavras do fotógrafo francês.




A fotografia é uma operação instantânea, sensorial e intelectual - uma expressão do mundo em termos visuais e também uma permanente busca e interrogação. É simultaneamente o reconhecimento de um facto numa fracção de segundo e a composição rigorosa das formas visualmente percepcionadas na sua expressão e significado.






Tuesday, July 31, 2007

Agenda Cultural da Semana


DIA 1 E 2 (qua. e qui.) TEATRO - "Péricles", de William Shakespeare, com encenação de António Latella, no CCB, às 21:00
DIA 3 (sex) DANÇA - "Ópera", concepção e interpretação de Tiago Guedes e Maria Duarte na Zé dos Bois (Rua de O Século), 21:30
DIA 4 (sab) FOTOGRAFIA - último dia para ver a exposição "5 novos fotógrafos", na K Galeria (Rua da Vinha, 43-A - saída de metro Baixa-Chiado)
DIA 5 (dom) MÚSICA - Carlos Zingaro e Jorge Lima Barreto, no ciclo "Jazz em Agosto", organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian, às 15:30

Sunday, July 29, 2007

Themroc: o filme proibido





“Themroc” foi um filme que chocou o público na década de 70 e que chegou mesmo a ser retirado das salas de cinema até aos anos 90. A companhia Suiça Kraut_Produktion não se esqueceu dele e fê-lo servir de inspiração para uma peça de teatro, “Back to the Roots” (TNDMII, 24/25 Julho’07)
Themroc é pintor de construção. Todos os dias, os mesmos gestos automáticos repetem-se: o pequeno-almoço, o tique-taque ensurdecedor do relógio, o olhar de desejo em fuga à irmã mais nova, a viagem de bicicleta e metro com o colega de trabalho até à fábrica. Certo dia, um dia igual a tantos outros, a vida de Themroc muda quando é apanhado em flagrante a espiar o ‘flirt’ do patrão com a secretária. Começa aqui a odisseia, magnificamente interpretada por Michel Picolli que, a partir deste momento, sofre uma mutação e transforma-se, entre o desespero e a euforia, num homem-besta.
Por pouco, quase nos parece ouvir a primeira frase da “Metamorfose” de Kafka que inicia a história do caixeiro-viajante, Gregor, que se transforma num insecto: "Uma manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco insecto". O processo é semelhante, sendo que Claude Faraldo faz Themroc regressar à sua origem animal, abandonando a era da civilização para regressar ao comportamento da idade da pedra. O protagonista passa a exprimir-se através de rugidos, uma espécie de língua inventada, de comportamentos animalescos, provocando e despertando espanto em todos com quem se cruza. Mais tarde, constrói uma caverna improvisada, onde se repetem orgias e o incesto.
Este filme, que se gosta ou não se gosta, é nitidamente um produto do seu tempo. Os anos 60 e 70, como período de grande mudanças sociais e culturais, fomentaram o sentido da rebeldia e abraçaram as noções anarquistas que se fizeram, alias, sentir no cinema francês deste período. Claude Faraldo não lhes foi alheio e assina a realização de um filme perturbador, controverso, salpicado de momentos de humor, sugerindo uma crítica aberta ao tipo de existência que a sociedade moderna oferece. “Themroc” canta o regresso a um estado de natureza, em detrimento dos mecanismos da sociedade de consumo, provoca, insulta, grita, confronta-nos com o absurdo.
Esta “falha” da sociedade é comum, por exemplo, a algum cinema europeu da Nouvelle Vague. Jean-Luc Godard, em “Week End” (1967) já o havia feito ao abrir caminho a um estilo mais politizado e desconstrutivista ao denunciar a sociedade consumista. É também nesse sentido que caminha Claude Faraldo criando cenas simbolicamente interessantes como aquela onde Themroc abre um buraco na parede do seu apartamento e começa a atirar bens de consumo para a rua. O regresso a um estado primordial da existência, que contrasta com a postura das figuras do poder, é corroborado nos primeiros vinte minutos do filme onde existe uma ausência total de diálogos. Esta visão satírica do mundo do trabalho é reforçada pela mutação através da linguagem. O filme assenta, sobretudo, no impacto dos vários efeitos visuais e a linguagem dá lugar a impulsos, sons e gritos.
Talvez possamos concordar, com alguma crítica, que, tal como o cinema desta época, estamos perante um filme “engagé”. Themroc, à sua maneira, é um militante de causas como a liberdade sexual, a contestação da autoridade opressiva e do poder desmesurado. Com um sabor amargo, no final, de raiva, que ecoa nos rugidos que vão compondo a banda sonora, “Themroc” assusta pela forma como nos mostra o carácter inumano que a sociedade adquiriu. Homem ou besta, a transgressão é a palavra-chave. Conformar-se ou não, eis a questão.


Saturday, July 28, 2007

Cruzar-se com Woody em Barcelona

O jornal "La Vanguardia" lançou o desafio. Os leitores aceitaram e enviaram fotos de Woody Allen nas ruas de Barcelona, onde se prepara para filmar o próximo filme. Aqui ficam algumas.





















Wednesday, July 25, 2007

Citador


















Contra o medo, liberdade

Manuel Alegre
"Nasci e cresci num Portugal onde vigorava o medo. Contra eles lutei a vida inteira. Não posso ficar calado perante alguns casos ultimamente vindos a público. Casos pontuais, dir-se-á.
Mas que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência. Casos pontuais que, entretanto, começam a repetir-se. Não por acaso ou coincidência. Mas porque há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE. Casos pontuais em si mesmos inquietantes. E em que é tão condenável a denúncia como a conivência perante ela. Não vivemos em ditadura, nem sequer é legítimo falar de deriva autoritária. As instituições democráticas funcionam. Então porquê a sensação de que nem sempre convém dizer o que se pensa? Porquê o medo? De quem e de quê? Talvez os fantasmas estejam na própria sociedade e sejam fruto da inexistência de uma cultura de liberdade individual. (...) Não se pode esquecer também a responsabilidade de um poder mediático que orienta a agenda política para o culto dos líderes, o estereótipo e o espectáculo, em detrimento do debate de ideias, da promoção do espírito crítico e da pedagogia democrática. Tenho por vezes a impressão de que certos políticos e certos jornalistas vivem num país virtual, sem povo, sem história nem memória.(...) Há mais vida para além das lógicas de aparelho. Se os principais partidos não vão ao encontro da vida, pode muito bem acontecer que a recomposição do sistema se faça pelo voto dos cidadãos. Tanto no sentido positivo como negativo, se tal ocorrer em torno de uma qualquer deriva populista. Há sempre esse risco. Os principais inimigos dos partidos políticos são aqueles que, dentro deles, promovem o seu fechamento e impedem a mudança e a abertura. Por isso, como em tempo de outros temores escreveu Mário Cesariny: "Entre nós e as palavras, o nosso dever falar." Agora e sempre contra o medo, pela liberdade."

Público, 24/07/07

Fur: um retrato imaginário de Diane Arbus










Diane Arbus, "Child with hand granade"













Diane Arbus, "Identical Twins", N.Y., 1967


Chegou a Portugal o DVD do filme "Fur: An Imaginary Portratait of Diane Arbus". Dirigido por Steven Shainberg, "Fur" retrata um período da vida de Diane Arbus (Nicole Kidman) que se apaixona por Lionel Sweeney (Downey Jr.), um homem enigmático que estabelece o contacto entre Arbus e pessoas marginalizadas que a ajudarão a transformar-se numa das maiores fotógrafas do século XX.

Diane Arbus fotografou com uma Rolleiflex, de lente dupla, e tentou sempre captar a diferença, desde o disforme, ao monstruoso, até à doença. Diz-se que Arbus era uma artista metódica que delineava cuidadosamente cada fotografia antes de a tirar. A sua obra questiona o que é o «normal» e quais os limites relativamente ao patológico. Arbus acabou por se aproximar da fotografia de moda, a seguir à II Guerra Mundial, como assistente do marido, Allan Arbus. 1964 foi um ano marcante na sua carreira, assinalado com uma exposição individual no MoMA. Suicidou-se a 26 de Julho de 1971.



Tuesday, July 24, 2007

Prémio BES Revelação/Fundação de Serralves












Foto de Ivo Andrade


Catarina Botelho, Pedro Neves Marques e Ivo Andrade foram os escolhidos este ano, na terceira edição deste prémio. Têm em comum o usarem o mesmo suporte - a fotografia - diferenciando-se, no entanto, nas opções estéticas. Os seus trabalhos poderão ser vistos na Casa de Serralves, no Porto, a partir de 16 de Novembro.
Para Catarina Botelho, a fotografia é, aliás, um meio para captar uma fracção de tempo: "É a ideia de 'guardar' o momento que me motiva a fotografar, esse instante do encontro entre mim e a pessoa fotografada. O trabalho centra-se no registo de situações partilhadas com pessoas que me são próximas. As imagens surgem por reacção aquilo que se está a passar, sem uma encenação, e vão sendo recolhidas ao longo do tempo. Não procuro, no entanto, um 'retrato de vida', mas apenas uma recolha de situações quotidianas, que quero como autónomas e individuais. Paragens, intervalos, espaços de um tempo maior."

Sunday, July 22, 2007

Manuel da Silva Ramos: da realidade à ficção
















Foto de Ricardo Paulouro


Natural da Covilhã (1947), Manuel da Silva Ramos tem-se afirmado, cada vez mais, no panorama literário português. Se começou por estudar Direito, cedo percebeu que era na Literatura que assentava a sua vida. As contingências políticas que se viviam na época em Portugal levaram-no a exilar-se em França, mas nem assim Manuel da Silva Ramos deixou de escrever. Muito pelo contrário, em 1968 ganhou o Prémio da Novelística Almeida Garrett com "Os Três Seios de Novélia". A partir daí, seguiram-se títulos, em parceria com o recentemente falecido Alface, como: "Os Lusíadas" (1977), "As Noites Brancas do Papa Negro" (1982) e "Beijinhos". O regresso, em 1997, a Portugal deveu-se também ao facto de ter ganho uma Bolsa de Criação Literária atribuída pelo Ministério da Cultura, um reconhecimento nacional que, inexplicavelmente, foi desaparecendo. Entre outras obras, destaque, com recomendação de leitura, para "Café Montalto"(2003), "Ambulância" (2006) e "O Sol da Meia-Noite seguido de Contos para a Juventude" (2007), os seus três últimos livros com a chancela da Dom Quixote que comprovam a perícia, a criatividade, o humor aliado a uma escrita próxima do quotidiano mas, simultaneamente, apelando à imaginação de cada leitor. 2007 é um ano 'forte' para MSR que agora nos brinda com o romance "A Ponte Submersa" (Dom Quixote), uma história que recria os homícidios de três jovens que ocorreram entre 2005/2006, em Santa Comba Dão. Anabela, Suzana e Júlia são as protagonistas, juntamente com o Cabo Pá. Um olhar crítico sobre as forças do poder. Aqui fica um excerto para aguçar a curiosidade.


Cheguei à pensão Sicília já era noite. Depois de ter arrumado as malas no quarto singelado desci para jantar. Na pequena sala, castamente familiar, de uma intimidade que roçava a promiscuidade mas que eu gazuava com delícia por ter vivido alguns anos desumanos no estrangeiro, já com vários convivas ensurdecidos por uma sopa hipnótica, arranjei um lugar perto do fogão a lenha e não longe do armário castanho de cerejeira com fruta em cima. Ia eu num frango delicioso de fricassé quando a cara do proprietário passando com um bolo de noiva me relembrou o passado. Eu viera aqui para relatar para fichas o funeral do Salazar em 1970, como Observador Internacional dos Direitos do Homem.

Sunday, February 4, 2007

Perfil. Aderbal Freire-Filho. Sotaque brasileiro em palcos portugueses






Com um percurso notável na área da dramaturgia, Aderbal Freire-Filho está entre nós com "O que diz Molero", de Dinis Machado (Teatro Nacional D. Maria II) e a conduzir uma oficina de actores que resultará numa apresentação pública a partir das "Crónicas" de António Lobo Antunes. A sua inovadora técnica do «romance-em-cena» deixou boquiabertos os espectadores da estreia de "O que diz Molero". A combinação entre a arte e o engenho mostram bem como Aderbal é já uma das grandes referências na encenação.


"Dilúvio em Tempos de Seca"

Formou-se em Direito, em Fortaleza, mas logo em 1954 começou a participar em grupos amadores e semi-profissionais de teatro. Em 1970, Aderbal Freire- Filho muda-se para o Rio de Janeiro e faz a sua estreia como actor em “Diário de um Louco”, de Nikolai Gogol. Um espectáculo marcante por ter sido encenado dentro de um autocarro que percorre as ruas da cidade. Mas cedo marca a sua estreia na encenação, em 1972, com “O Cordão Umbilical”, de Mário Prata. O seu primeiro grande sucesso profissional é a direcção do monólogo com Marília Pêra, “Apareceu a Margarida” (1973), de Roberto Athayde. 1973 é um ano marcante no percurso de Aderbal Freire-Filho, ano em que funda o Grémio Dramático Brasileiro que pretende montar, simultaneamente, com o mesmo elenco, num cenário único, diversas peças nacionais e mantê-las em cartaz em regime de repertório. A experiência inicial, com “Um Visitante do Alto” e “Manual de Sobrevivência na Selva”, também de Roberto Athayde, “Pequeno Dicionário da Língua Feminina” e “Reveillon”, de Flávio Márcio, todas de 1974, começam a revelar Aderbal como um dos directores brasileiros que alia a busca constante por novas formas de dramaturgia a uma encenação que privilegia o actor como agente principal da linguagem e da comunicação das ideias do texto. Peças como “O Voo dos Pássaros Selvagens”, de Aldomar Conrado, em 1975, e “Crimes Delicados”, de José António de Souza, em 1976, começam a revelar uma linguagem visualmente sofisticada, com uma poética muito própria. Em 1977, com a encenação de “A Morte de Danton”, de Georg Büchner, apresentada num dos túneis subterrâneos da construção do futuro metro carioca, reafirma a sua ousadia experimental, bem como o seu afastamento dos esquemas comerciais, presente nos seus próximos três espectáculos: “Em Algum Lugar Fora Deste Mundo”, de José Wilker, 1978, “O Desembestado”, de Ariovaldo Mattos, 1980, e “Dom Quixote de la Pança”, adaptado da novela de Cervantes pela intérprete e produtora Camilla Amado, 1980. Na década de 80 explora as experiências de teatro de rua, inclusive com adaptações de Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Com “Moço em Estado de Sítio”, 1981, de Oduvaldo Vianna Filho, montado com jovens actores, inicia-se uma fase criativa em que o director associa a busca pela teatralidade a um processo de montagem que, com a participação do elenco, toma o texto teatral como eixo da criação. Em 1983, dirige “Besame Mucho”, de Mario Prata, e arrecada os prémios Paulo Pontes e Mambembe. Em 1984, encena “Mão na Luva”, novamente Oduvaldo Vianna Filho, com Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha, levando dois Mambembes e o Golfinho de Ouro de melhor director. Em 1979, dirige “Crimes Delicados”, de José António de Souza, em Buenos Aires, quando inicia uma série de trabalhos que realiza periodicamente em países da América Latina - entre eles, “Mefisto”, de Klaus Mann-Arianne Mnouchkine; “Egor Bulichov y otros”, de Máximo Gorki; “El Galpón”, de Montevidéu, 1987/1988; a ópera “Simon Boccanera”, de Verdi, também em Montevidéu, 1988. Na Holanda, dirige “Soroco, Sua Mãe, Sua Filha”, adaptado de Guimarães Rosa, com o Teatro Munganga de Amesterdão, em 1989. Participa de festivais e mostras internacionais de teatro no Uruguai e na Colômbia, onde apresenta espectáculos e orienta oficinas de direcção. Seis dos seus espectáculos recebem o Prémio Inacen de melhor espectáculo do ano, entre eles “Mão na Luva”, que recebe no Uruguai o Prémio Florencio de melhor espectáculo estrangeiro de 1985. No mesmo ano, em Montevidéu, dirige “Mefisto”, com o elenco oficial da Comédia Nacional de Uruguai.





"O que diz Molero"


Participa com espectáculos e oficinas em festivais e mostras de diversos países da América Latina. Mantém-se atento à realidade continental e à necessidade de uma aproximação entre o teatro brasileiro e o dos países vizinhos. No final da década de 80, Aderbal retoma um antigo projecto de constituir uma companhia de teatro e estabelece-se no Teatro Gláucio Gill, desactivado e destruído. Em menos de um ano, o Centro de Construção e Demolição do Espectáculo reabre o espaço e estreia, em 1990, “A Mulher Carioca aos 22 Anos”, um dos seus espectáculos mais elaborados. Partindo do texto integral do romance, mescla os géneros dramático e épico naquela que será considerada pela crítica uma linguagem inovadora: oito actores revezam-se em mais de trinta personagens. O êxito desse espectáculo vale-lhe o Prémio Shell do ano, e pode ser considerado um dos factores de estímulo à série de espectáculos que, na década de 90, investigam o género épico. No início da década de 90, dedica-se a personagens históricos, dirigindo: “Lampião”, do próprio Aderbal, 1991; “O Tiro que Mudou a História”, 1991; “Tiradentes, Inconfidência no Rio”, 1992. Neste último, o público é distribuído em seis autocarros, visitando separadamente seis diferentes locais no centro da cidade do Rio de Janeiro, para se reencontrarem todos na Praça Tiradentes, cenário final do espectáculo. Quatro anos depois, a Governo expulsa a Companhia do local. Os actores, esses, seguem o director até à sua nova sede - o Teatro Carlos Gomes, onde realizam, entre outros espectáculos e eventos, “Senhora dos Afogados”, de Nelson Rodrigues, em 1994. A companhia encerra suas actividades com a montagem de um musical – “No Verão de 1996” -, no qual o director parte dos quadros de Rubens Gershman para criar uma dramaturgia fragmentada que comenta e critica os factos sociais e políticos da cidade, como uma moderna revista. Em 1995, encena Lima Barreto, ao “Terceiro Dia”, obra de Luís Alberto de Abreu, escrita dez anos antes; e “Kean”, adaptação de Jean-Paul Sartre da obra de Alexandre Dumas, novamente com o actor Marco Nanini. Em 1997, dirige “O Carteiro e O Poeta”, de Antônio Skármeta, sobre Pablo Neruda. Aderbal trabalha também fora do Rio de Janeiro, faz montagens com grupos locais, dá cursos e dirige alunos de escolas de teatro. A sua prática na criação de espectáculos combina-se com um progressivo desenvolvimento de reflexões que dão origem a textos sobre teatro, a palestras e a oficinas. O ensino sempre foi uma actividade paralela presente no seu percurso: lecciona na Casa das Artes de Laranjeiras, na Escola de Teatro Martins Pena, na Faculdade de Letras e na Escola de Comunicação da UFRJ.

Saturday, February 3, 2007

A Diva é homenageada no Teatro Camões
















As homenagens são frequentes na sociedade de hoje. Aos que estão, ou não, entre nós são erguidos monumentos, ganham o nome de ruas, têm direito a centenas de publicações, mais ou menos biográficas. Talvez porque quando homenageamos alguém reafirmamos a nossa própria condição e, sobretudo, o tempo em que vivemos.
Maria Callas é um desses casos. A 'Diva'será, mais uma vez, homenageada no Teatro Camões, em Lisboa, no dia 9 de Fevereiro, pela companhia Lisboa Ballet Contemporâneo, numa coreografia de Benvindo Fonseca. Há quem a considere a maior cantora lírica do século XX. Maria Anna Sophie Cecilia Kalogeropoulos, filha de pais emigrantes, nasceu em Nova Iorque e, pelos 10 anos teve as suas primeiras lições de piano que continuou sozinha, mostrando a sua aptidão para a música. Com o divórcio dos pais, regressa a Atenas com a mãe, onde conclui o conservatório e se afirma como cantora, tendo adoptado em 1966 a nacionalidade grega.
A partir desse momento, o conturbado percurso de Maria é feito numa subida vertiginosa rumo ao sucesso - Callas pisou os maiores palcos do mundo como cantora lírica, tendo interpretado personagens marcantes de óperas de compositores como Verdi, Puccini, Bellini, Rossini ou Donizetti - até ao período entre 1974 e 1976 quando aceita fazer parte de uma tourné ao lado do seu colega e amigo Di Stefano. A 'Diva' morreu em 1977 em Paris e, até hoje, desconhece-se a causa da sua morte.
A voz de Callas será o ponto de partida para este espectáculo que pode ser visto até 11 de Fevereiro, ao longo do qual serão exibidas algumas imagens da vida de Maria Callas. Com música original do maestro César Viana e cenários do arquitecto José Garcia, "Callas" será interpretado pelos bailarinos Ângela Eckart, Débora Queiroz, Isadora Ribeiro, São Castro, Hugo Martins, Nuno Gomes e Tiago Careto, contando ainda com algumas árias cantadas por Callas 'transpostas' para piano por César Viana

Wednesday, January 31, 2007

Ángel Crespo em exposição em Portugal


O Instituto Cervantes inaugura quinta-feira uma exposição sobre o poeta Ángel Crespo, que traduziu para espanhol Fernando Pessoa, Eugénio Andrade e os brasileiros Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto.











El Muro
El peregrino llega junto al muro,
Ya sin aliento, apoya en él las manos
Y la frente, buscando refrigerio:

Más pronto las aparta, que unas manos
Y una encendida frente
Lo sostienen del otro lado

Ángel Crespo

Tuesday, January 30, 2007

Quatro escritores para um prémio






Lídia Jorge, Mário de Carvalho, José Luís Peixoto e Gonçalo M.Tavares vão estar presentes, em Março, na cerimónia de apresentação de romances da sua autoria, candidatos ao prémio italiano Giuseppe Acerbi.Portugal foi, este ano, o país seleccionado e as obras escolhidas - traduzidas em italiano - são as seguintes "O vale da paixão" (Lídia Jorge); "Um deus passeando pela brisa da tarde" (Mário de Carvalho); "Jerusalém" (Gonçalo M. Tavares); e "Morreste-me" (José Luís Peixoto). Num rol de países one se conta a Nigéria, a Finlândia, Brasil, Áustria, Eslovénia, Rússia, Canadá, entre outros, chegou a vez da distinção a um escritor português. O nome do vencendor será anunciado no dia 14 de Julho.

Sunday, January 28, 2007

A viagem inacabada





Entrevista a José Fonseca e Costa

São mais as viagens que fazemos do que os destinos. As viagens de José Fonseca e Costa são quase borgianas. Coleccionam-se memórias, encontros, livros, imagens. Fonseca e Costa, uma das grandes referências do cinema português, assina agora a encenação da peça “Pequenos Crimes Conjugais”, de Eric Emmanuel-Schmitt, que conta com as interpretações de Paulo Pires e Margarida Marinho. Porque viajamos sempre em busca de alguma coisa. Pela cidade, na tela ou no palco. Uma viagem inacabada que se nos oferece para que sejamos nós a completá-la.


Entrevista conduzida por Margarida Gil dos Reis


Como surgiu o seu fascínio pela 7ª arte?
Desde pequeno que me lembro de ir ao cinema. Até aos meus onze anos vivi no paraíso, numa terra chamada Caala, em Angola, onde começa o planalto de Benguela, a 1800 metros de altitude, onde a natureza era exuberante e o grande divertimento eram as sessões de cinema à quarta-feira e ao domingo, dia em que chegavam à estação de caminho de ferro os filmes vindos do litoral...

Quando chegou a Portugal o interesse pelo cinema manteve-se…
Fui um assíduo espectador de cinema, desde a mais tenra idade e quando aos onze anos de idade cheguei a Lisboa, o cinema passou a ser um hábito quotidiano. Naquela época toda a gente ia ao cinema, não havia televisão, em todos os bairros havia as chamadas salas de “reprise”, com sessões duplas, dois filmes de géneros diferentes projectados um a seguir ao outro: um filme de aventuras, um filme dramático ou cómico. Ir às matinées do “Palácio”, do “Lys”, do “Rex” era uma festa. Sem contar com a programação dos cinemas de estreia, as grandes salas de Lisboa desse tempo, como o Tivoli, o São Luís, o Eden, onde se estreavam filmes de todas as proveniências. Nesse tempo não estávamos “condenados” a ver apenas filmes americanos, era forte a presença de outras cinematografias, nessa época florescentes, como a italiana, a francesa, a espanhola, a sueca e até a indiana. Recordo-me dos grandes filmes indianos do “Palácio”, designadamente do “Prestígio Real”, que marcou uma geração com a opulência dos seus exóticos décors, o pendor desmesurado pelo melodrama romântico, onde a menina pobre casava sempre com o belo filho do marajá depois de vencidas contrariedades aparentemente intransponíveis, tudo acompanhado por canções e músicas de fazer chorar as pedrinhas da calçada... Era também um impenitente frequentador de todos os filmes portugueses, do “Aniki-Bóbó” às “Capas Negras”, do “Pai Tirano” e da “Canção de Lisboa” ao “Camões”, a Milú, a Carmen Dolores, a Leonor Maia contavam entre as minhas actrizes favoritas. Para não lhe falar da “paixão” que agarrei pela Amália e pelo Virgilio Teixeira quando vi “Fado, História de Uma Cantadeira”, do Perdigão Queiroga.

Lembra-se de alguns filmes que o tenham, desde logo, marcado?
Existem dois ou três filmes vistos na minha infância em Angola que me povoaram sonhos e pesadelos tais como “O gato e o canário”, “Quatro penas brancas” ou “A fortaleza do silêncio”, sem esquecer os filmes do Tarzan onde nos era mostrada uma África estilizada que depois queríamos transferir para as nossas brincadeiras infantis.
Quando cheguei a Lisboa senti grandes dificuldades na adaptação à cidade e devo dizer que a procura das salas de cinema, espalhadas pelos diferentes bairros e onde encontrava os filmes com os quais alimentava a minha capacidade de sonhar, contribuiu muito para começar a conhecer e a amar Lisboa. Uma das coisas que fazia todos os dias era descobrir a cidade a pé, ou de eléctrico, quase sempre à procura de uma sala de cinema. Lisboa era então uma cidade com outra dimensão, muito mais humana e interessante, repleta de cinemas. Frequentava todas as sessões a que podia ir, as sessões duplas à tarde e, muitas vezes também a sessão da noite. O cinema era o meu grande alimento, juntamente com a Literatura e o Teatro.

Desde quando é que teve o impulso de seguir o cinema como carreira?
Houve um filme durante cuja projecção terei tido pela primeira vez o desejo, o impulso de passar para o outro lado e descobrir como é que se fazia: era o “The Third Man”, com a avassaladora presença de um actor que me fascinava, a quem eu atribuía todos os méritos do filme, aliás injustamente porque não dava atenção - a tal ponto era forte e excessiva a presença do Orson Welles - ao enorme talento do Carol Reed e, sobretudo, ao prodigioso autor da trama dramática, o escritor Graham Greene.
Dois ou três anos depois disso e depois de ser dissuadido pelo meu Pai de ir para o estrangeiro estudar cinema, entrei para a Faculdade de Direito mas permaneceu em mim o desejo de um dia vir a fazer cinema. Os filmes de que mais gostava eram filmes com tramas muito densas, com um fundo de mistério, como é o caso de “Gilda”, de Charles Vidor, injustamente considerado um cineasta menor, que estreou no Condes precedido de uma tal reputação de ousadia que o proibiu a censura, a pedido do patriarcado, quatro dias depois da sua estreia, à qual havia assistido já que a sua intérprete feminina era uma das minhas actrizes de eleição, a Rita Hayworth. Mas os meus filmes favoritos eram sem sombra dúvida os italianos, nos quais, à densidade da trama narrativa se aliava uma autenticidade que me tornava participante, interveniente “indirecto” da história que estava não só a ver mas a sentir, a viver. “Arroz Amargo” de Giuseppe de Santis foi, talvez, o primeiro desses filmes, inesquecível a vários títulos, o primeiro dos quais é a sensualidade fortíssima daquela que viria a ser um dos maiores ícones do cinema, a Silvana Mangano no desempenho de uma camponesa trabalhando nos arrozais.

Sendo Lisboa uma cidade marcada pelo peso da censura, de que forma isso afectava o cinema e os espectadores?
Apesar desse clima de repressão, o cinema tinha uma grande importância na cidade. Chegavam a Lisboa filmes de todas as proveniências, desde os grandes filmes franceses, italianos, ingleses, americanos, espanhóis até aos filmes de países distantes como a Índia e o Japão. A censura exercia a sua tenebrosa missão de mutilar alguns desses filmes mas a verdade é que chegavam até nós, podíamos vê-los. Hoje, como sabe, estamos totalmente ocupados pela cinematografia americana e cortados do acesso a outras cinematografias - estoutra forma de censura do mercado porventura tão violenta como a outra e com certeza mais nociva porque nos impede o conhecimento doutras cinematografias.

Qual foi a cinematografia que mais o impressionou?
A partir do momento em que comecei a consumi-la foi, como já disse, a cinematografia italiana. “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini, “Ladrões de Bicicletas”, de Vittorio De Sica, “Belissima” de Visconti, “Crónica de Um Amor” de Antonioni”, “Os Inúteis” do Fellini, eu sei lá, não parava tão de-pressa de citar nomes de cineastas e títulos de filmes, desde o Pitero Germi de “O Ferroviário” a Alberto Lattuada, Mario Monicelli, Luigi Camerini, Renato Castellani…

A experiência, em 1961, ao trabalhar com Antonioni, na rodagem do filme “O Eclipse” foi também marcante para a consolidação do cinema na sua vida…
Foi, sem dúvida, uma experiência marcante. Pedi uma bolsa, que me foi aliás recusada e fui para Itália de propósito para trabalhar com ele e com o Luchino Visconti. Sabia que o Antonioni estava a preparar “O Eclipse”, estando o Visconti a escrever com a Suso Cecchi d’Amico a adaptação de “Il Gattopardo”. Acabei por estagiar apenas com o Antonioni porque se atrasou a produção do filme do Visconti. Roma, nessa época, tinha um ambiente absolutamente extraordinário, de resto recriado na perfeição pelo Federico Fellini em “La Dolce Vita”. Interessava-me igualmente por um certo cinema francês, um cinema porventura mais literário, “ filosófico”, de cineastas como o René Clair ou o Max Ophuls do “Le Plaisir” e do “La Ronde”, de “Carta de Uma Desconhecida” e de “Madame De...”, sem esquecer o Jacques Becker, autor do filme que terei visto mais vezes a tal ponto o considero apaixonante em todos os seus pormenores, “Casque d’Or”, um filme onde se conta uma comovente história de amor entre uma prostituta e um carpinteiro no “bas fond” de Paris de finais do século XIX. Fui ainda marcado por algum cinema americano que nos chegava então, curiosamente de alguns cineastas que nem sempre eram tidos como os maiores, como o Michaell Curtis do “Casablanca”, o Howard Hawks do “To Have and Have Not”, o John Huston do “The Maltese Falcon”. Não me foi de todo indiferente um grande cineasta francês, Jean Renoir, a quem considerei sempre como um génio, capaz de narrar com exemplar simplicidade conflitos da maior complexidade.

A Literatura foi também um dos alimentos paralelos ao cinema?
Foi. O meu Pai tinha em casa os livros do Camilo Castelo Branco, cuja leitura sempre me empolgou, mais tarde tomei contacto com os nossos clássicos, a leitura ocupava muito do meu tempo, comprazia-me a ler. Assim fui tomando contacto com a grande literatura do século XIX, dos grandes clássicos russos aos franceses. Se tiver que falar das minhas predilecções terei que referir o Guy de Maupassant, Stendhal, Proust, que lia como se cada pedaço da sua obra fosse, por si só, uma história, mas também Joyce, que descobri alguns anos mais tarde. Deixo para o fim o “D.Quixote”, do Cervantes, livro cujas aventuras ainda hoje são frequentemente o sujeito da minha leitura.

Para além da obra dos vários escritores que adaptou a cinema, como David Mourão Ferreira ou José Cardoso Pires, existe alguma obra que ainda deseje adaptar a cinema?
Há um livro que ficou por fazer, sendo que o filme está todo escrito por um dos maiores dramaturgos da África do Sul, Barney Simon. Ele e o Athol Fuggard são dois dos mais importantes dramaturgos e escritores deste país, tendo fundado, nos anos 70, em pleno “apartheid” o Market Theatre onde pude ver alguns dos mais belos espectáculos de teatro a que assisti na minha vida. Tive o privilégio, mais tarde, de conhecer o Barney Simon, por intermédio de amigos comuns ligados ao ANC - o Joe e a Ruth Slovo - pais Shawn Slovo que começara no cinema em Nova York como “script-editor” do Robert De Niro e do Martin Scorsese em “The Raging Bull” e que, depois, me ajudou a escrever “A Balada da Praia dos Cães”. Conheci o Barney Simon em Londres, em cada de amigos comuns, numa altura em que fora sugerida a adaptação ao cinema do primeiro romance do Miguel Torga. Tratava-se de “O Senhor Ventura”, um romance que conta as venturas e desventuras de um jovem camponês oriundo de uma aldeia do Portugal profundo que as vicissitudes da vida levam até à China e à Mongólia, onde é protagonista de grandes aventuras. Quando o livro foi publicado, nos primórdios dos anos 40 a crítica não lhe foi favorável e o Torga retirou o livro do mercado. Anos mais tarde, e depois do reconhecimento público enquanto grande escritor, Miguel Torga voltou a publicar este romance, então já recebido como um grande livro. Alguns anos antes já tinha tido um contacto com o Torga a quem solicitara o recurso à utilização de uma página sobre Évora do seu “Diário” para utilizar como texto de fundo de uma curta-metragem que sobre esta cidade me fora encomendado. Este facto deu lugar a um incidente próprio dos anos negros do fascismo e da repressão: depois de visto o filme, a Comissão de Censura obrigava-me a cortar algumas palavras do texto de Miguel Torga. Recusei o corte - o que implicava a proibição do filme - tendo entretanto relatado a ocorrência ao Miguel Torga que me escreveu uma carta concisa, curta e precisa como só ele sabia escrever, onde me aconselhava a fazer a vontade à Censura já que “o que eu escrevi e publiquei já eles não conseguem cortar e será mais importante a saída do seu filme do que a sua proibição já que as imagens, que eles pelos vistos não cortam, falam pelas palavras que à força os esbirros da censura escamotearam.” A partir dessa altura fiquei-lhe sempre muito ligado. Ao surgir a hipótese de fazer “O Senhor Ventura”, cuja acção começava em Portugal e logo se espalhava pelo Mundo, convidei o Barney Simon para me ajudar na tarefa de adaptar o livro ao cinema. O filme está vertido num admirável “screenplay” do Barney Simon que além de romancista e dramaturgo escrevera vários filmes para o cineasta novaiorquino Paul Mazursky. A sua produção - assegurada por financiamentos de uma produtora inglesa em associação com uma produtora portuguesa e outra de Macau - foi suspensa quando começou a guerra do golfo, numa altura em que já estavam bastante adiantados os trabalhos de preparação.

As condições actuais do cinema português têm, de algum modo, contribuído para a não realização deste tipo de projectos?
Acho que posso resumir o estado do cinema português dizendo que as condições que temos actualmente são medíocres e inadequadas ao que é, hoje em dia, a criação cinematográfica. É muito difícil acalentar projectos que estejam para além do que está definido pela bitola das leis medíocres pelas quais o Estado português entende dever financiar uma indústria cultural tão importante como o cinema, reduzido, por falta de visão, a uma pequenez que não suscita a sua assimilação pelos públicos a que devia destinar-se. Os filmes portugueses produzidos com o colete-de-forças de tão mesquinhas leis nascem e morrem ingloriamente no Portugal dos pequeninos. As leis em vigor tratam os cineastas como se fossem esmoleres do Estado, dependentes dos vários poderes, desde o poder político ao poder dos “lobbies” intelectuais. Além disso, não cuidam sequer de assegurar o acesso dos filmes que o Estado financia ao mercado cinematográfico completamente dependente do cinema americano.

Assina agora a encenação da peça “Pequenos Crimes Conjugais”. O teatro foi também uma arte presente ao longo do seu percurso?
Sempre tive uma grande curiosidade por tudo o que fossem ficções, filmadas, cantadas ou representadas. A certa altura da minha vida cheguei a considerar a hipótese de ser actor mas já estava muito empenhado no cinema. O meu interesse pelo teatro sempre existiu. Alguns dos meus melhores amigos estão no teatro. Fiquei, no entanto, preso à maldição de ter sido proibido pelo regime salazarista de fazer determinadas coisas, entre elas o cinema documentário ou de ficção, cuja produção dependia de financiamentos do Estado para quem eu era “personna non grata” em virtude da minha actividade política de oposição ao regime fascista. Como, na época, o cinema publicitário emergia e a minha competência profissional fosse reconhecida dediquei-me à produção e realização de filmes publicitários, actividade que foi o meu ganha-pão nos anos 60 e 70.


Quais são as fronteiras entre o teatro e o cinema?
Do ponto de vista da sua estruturação são universos totalmente diferentes. No entanto, ambos servem para contar histórias e neles reside o papel preponderante dos actores. São os actores que dão vida, carne, sangue e alma às personagens, quer dos filmes, quer das peças de teatro. Gosto muito de trabalhar com actores e de os pôr as fazer as coisas que estão escritas, sugeridas e imaginadas num texto para, em seguida, serem transmitidas ao público. Tanto no cinema como no teatro a principal tarefa de quem pretenda “dirigir” reside no trabalho com os actores que são, simultaneamente, os melhores aliados e os maiores inimigos de quem se proponha dirigi-los. Quem dirige um filme ou uma peça de teatro tem que ser capaz de estabelecer o ponto de encontro onde acaba o ódio e começa o amor e será nesse fio da navalha que as coisas se irão sempre passar sem que se saiba, ao certo quem ganha a partida, se o bem-amado, se o mal-amado... No meu caso, começo por procurar assimilar o texto que pretendo transpor para o palco, escolhendo depois para o desempenho dos papéis os actores cuja personalidade mais se aproxime, física e animicamente, das personagens às quais vão dar corpo e voz. Limito-me a provocar nos actores o bastante para fazerem as coisas de um modo que eu entenda ser aquele que melhor serve para transpor um texto para a realidade de um palco onde os actores terão que fazer bem aquilo que as pessoas fazem mal na vida. Ou seja, remeto-me à condição de primeiro espectador... Sou, portanto, um espectador privilegiado, com o temor reverencial de que os outros espectadores não assumam o meu ponto de vista.

O palco onde terá lugar esta peça ["Pequenos Crimes Conjugais", Fevereiro de 2007] desconstrói, no entanto, o conceito de palco ‘à italiana’. Quais foram as opções, em termos de encenação, ao ser confrontado com o espaço?
Não dispor de um palco à italiana para a minha experiência teatral começou por me assustar, primeiro porque estes “Pequenos Crimes Conjugais” correspondem, na sua estruturação dramática ao espaço do palco em que só há uma “parede” de público. Aceitei o desafio quando me apercebi de que o “espaço” colocado à minha disposição, com duas frentes de público, me permitia trabalhar como se estivesse num filme para o qual o produtor me impusesse a utilização do “écran largo” - o do Cinemascope . Como a peça do Eric Emmanuel-Schmitt tem apenas um acto de longa duração e a minha preferência em termos de estruturação de um filme vai no sentido do recurso frequente ao “plano sequência”, organizei uma “mise-en-scène” em tudo idêntica à que estrutura um filme: será uma peça de teatro em plano sequência e em écran largo...

Os actores, Paulo Pires e Margarida Marinho, corresponderam, no entanto, às suas expectativas?
Estou a trabalhar com dois grandes actores, pessoas de enorme sensibilidade e competência profissional Ambos são capazes de dar todas as facetas das duas personagens que interpretam. E falamos de personagens de uma grande complexidade que passam com frequência de um registo para o seu oposto.

Quando assistiu à estreia desta peça, em Paris, o que é que mais lhe despertou interesse?
Eu já conhecia o Eric Emmanuel-Schmitt pois tinha lido dois dos seus romances e, apesar de nunca ter visto nenhuma das suas peças, sabia que ele tinha escrito para teatro. De repente, li que ele tinha escrito esta peça para a Charlotte Rampling, uma das minhas actrizes de cinema de eleição, uma personagem enigmática, distante mas, ao mesmo tempo, de uma enorme sensibilidade e para um dos grandes actores franceses, o Bernard Giraudeau. Os “Pequenos Crimes Conjugais” estavam a ser representados em Paris, no Théâtre Edouard VII, em 2003, numa época em que, por coincidência, eu estava na cidade a fazer a mistura de um dos meus filmes, facto que me permitiu ver logo a peça. Interessei-me logo muitíssimo pela peça, um interesse que surgiu, em primeiro lugar, pela trama em si. Esta é a história de um homem e de uma mulher, ambos intelectuais, que vivem juntos há 15 anos na mesma casa, mas que, a dado momento, se apercebem que há qualquer coisa que poderá estar errado. Nasce então a desconfiança: ele não sabe se ela continuará a gostar dele, ela tem quase a certeza que ele tem outras mulheres e, por isso, perdeu o interesse por ela. A partir do momento em que este conflito se instala existe toda uma sucessão de acontecimentos que leva ao internamento dele com uma crise de amnésia. A peça começa justamente nesse momento em que, após 15 dias de internamento, ele regressa a casa. A mulher tentará fazê-lo lembrar da sua própria casa, apesar de ele estar perdido, sem qualquer referência. Tudo o que acontece a partir deste momento é absolutamente inesperado até ao desfecho.

*Publicada no Jornal do TNDMII e no site www.teatro-dmaria.pt