
Com um percurso notável na área da dramaturgia, Aderbal Freire-Filho está entre nós com "O que diz Molero", de Dinis Machado (Teatro Nacional D. Maria II) e a conduzir uma oficina de actores que resultará numa apresentação pública a partir das "Crónicas" de António Lobo Antunes. A sua inovadora técnica do «romance-em-cena» deixou boquiabertos os espectadores da estreia de "O que diz Molero". A combinação entre a arte e o engenho mostram bem como Aderbal é já uma das grandes referências na encenação.

"Dilúvio em Tempos de Seca"
Formou-se em Direito, em Fortaleza, mas logo em 1954 começou a participar em grupos amadores e semi-profissionais de teatro. Em 1970, Aderbal Freire- Filho muda-se para o Rio de Janeiro e faz a sua estreia como actor em “Diário de um Louco”, de Nikolai Gogol. Um espectáculo marcante por ter sido encenado dentro de um autocarro que percorre as ruas da cidade. Mas cedo marca a sua estreia na encenação, em 1972, com “O Cordão Umbilical”, de Mário Prata. O seu primeiro grande sucesso profissional é a direcção do monólogo com Marília Pêra, “Apareceu a Margarida” (1973), de Roberto Athayde. 1973 é um ano marcante no percurso de Aderbal Freire-Filho, ano em que funda o Grémio Dramático Brasileiro que pretende montar, simultaneamente, com o mesmo elenco, num cenário único, diversas peças nacionais e mantê-las em cartaz em regime de repertório. A experiência inicial, com “Um Visitante do Alto” e “Manual de Sobrevivência na Selva”, também de Roberto Athayde, “Pequeno Dicionário da Língua Feminina” e “Reveillon”, de Flávio Márcio, todas de 1974, começam a revelar Aderbal como um dos directores brasileiros que alia a busca constante por novas formas de dramaturgia a uma encenação que privilegia o actor como agente principal da linguagem e da comunicação das ideias do texto. Peças como “O Voo dos Pássaros Selvagens”, de Aldomar Conrado, em 1975, e “Crimes Delicados”, de José António de Souza, em 1976, começam a revelar uma linguagem visualmente sofisticada, com uma poética muito própria. Em 1977, com a encenação de “A Morte de Danton”, de Georg Büchner, apresentada num dos túneis subterrâneos da construção do futuro metro carioca, reafirma a sua ousadia experimental, bem como o seu afastamento dos esquemas comerciais, presente nos seus próximos três espectáculos: “Em Algum Lugar Fora Deste Mundo”, de José Wilker, 1978, “O Desembestado”, de Ariovaldo Mattos, 1980, e “Dom Quixote de la Pança”, adaptado da novela de Cervantes pela intérprete e produtora Camilla Amado, 1980. Na década de 80 explora as experiências de teatro de rua, inclusive com adaptações de Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Com “Moço em Estado de Sítio”, 1981, de Oduvaldo Vianna Filho, montado com jovens actores, inicia-se uma fase criativa em que o director associa a busca pela teatralidade a um processo de montagem que, com a participação do elenco, toma o texto teatral como eixo da criação. Em 1983, dirige “Besame Mucho”, de Mario Prata, e arrecada os prémios Paulo Pontes e Mambembe. Em 1984, encena “Mão na Luva”, novamente Oduvaldo Vianna Filho, com Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha, levando dois Mambembes e o Golfinho de Ouro de melhor director. Em 1979, dirige “Crimes Delicados”, de José António de Souza, em Buenos Aires, quando inicia uma série de trabalhos que realiza periodicamente em países da América Latina - entre eles, “Mefisto”, de Klaus Mann-Arianne Mnouchkine; “Egor Bulichov y otros”, de Máximo Gorki; “El Galpón”, de Montevidéu, 1987/1988; a ópera “Simon Boccanera”, de Verdi, também em Montevidéu, 1988. Na Holanda, dirige “Soroco, Sua Mãe, Sua Filha”, adaptado de Guimarães Rosa, com o Teatro Munganga de Amesterdão, em 1989. Participa de festivais e mostras internacionais de teatro no Uruguai e na Colômbia, onde apresenta espectáculos e orienta oficinas de direcção. Seis dos seus espectáculos recebem o Prémio Inacen de melhor espectáculo do ano, entre eles “Mão na Luva”, que recebe no Uruguai o Prémio Florencio de melhor espectáculo estrangeiro de 1985. No mesmo ano, em Montevidéu, dirige “Mefisto”, com o elenco oficial da Comédia Nacional de Uruguai.

"O que diz Molero"
Participa com espectáculos e oficinas em festivais e mostras de diversos países da América Latina. Mantém-se atento à realidade continental e à necessidade de uma aproximação entre o teatro brasileiro e o dos países vizinhos. No final da década de 80, Aderbal retoma um antigo projecto de constituir uma companhia de teatro e estabelece-se no Teatro Gláucio Gill, desactivado e destruído. Em menos de um ano, o Centro de Construção e Demolição do Espectáculo reabre o espaço e estreia, em 1990, “A Mulher Carioca aos 22 Anos”, um dos seus espectáculos mais elaborados. Partindo do texto integral do romance, mescla os géneros dramático e épico naquela que será considerada pela crítica uma linguagem inovadora: oito actores revezam-se em mais de trinta personagens. O êxito desse espectáculo vale-lhe o Prémio Shell do ano, e pode ser considerado um dos factores de estímulo à série de espectáculos que, na década de 90, investigam o género épico. No início da década de 90, dedica-se a personagens históricos, dirigindo: “Lampião”, do próprio Aderbal, 1991; “O Tiro que Mudou a História”, 1991; “Tiradentes, Inconfidência no Rio”, 1992. Neste último, o público é distribuído em seis autocarros, visitando separadamente seis diferentes locais no centro da cidade do Rio de Janeiro, para se reencontrarem todos na Praça Tiradentes, cenário final do espectáculo. Quatro anos depois, a Governo expulsa a Companhia do local. Os actores, esses, seguem o director até à sua nova sede - o Teatro Carlos Gomes, onde realizam, entre outros espectáculos e eventos, “Senhora dos Afogados”, de Nelson Rodrigues, em 1994. A companhia encerra suas actividades com a montagem de um musical – “No Verão de 1996” -, no qual o director parte dos quadros de Rubens Gershman para criar uma dramaturgia fragmentada que comenta e critica os factos sociais e políticos da cidade, como uma moderna revista. Em 1995, encena Lima Barreto, ao “Terceiro Dia”, obra de Luís Alberto de Abreu, escrita dez anos antes; e “Kean”, adaptação de Jean-Paul Sartre da obra de Alexandre Dumas, novamente com o actor Marco Nanini. Em 1997, dirige “O Carteiro e O Poeta”, de Antônio Skármeta, sobre Pablo Neruda. Aderbal trabalha também fora do Rio de Janeiro, faz montagens com grupos locais, dá cursos e dirige alunos de escolas de teatro. A sua prática na criação de espectáculos combina-se com um progressivo desenvolvimento de reflexões que dão origem a textos sobre teatro, a palestras e a oficinas. O ensino sempre foi uma actividade paralela presente no seu percurso: lecciona na Casa das Artes de Laranjeiras, na Escola de Teatro Martins Pena, na Faculdade de Letras e na Escola de Comunicação da UFRJ.