Wednesday, January 31, 2007

Ángel Crespo em exposição em Portugal


O Instituto Cervantes inaugura quinta-feira uma exposição sobre o poeta Ángel Crespo, que traduziu para espanhol Fernando Pessoa, Eugénio Andrade e os brasileiros Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto.











El Muro
El peregrino llega junto al muro,
Ya sin aliento, apoya en él las manos
Y la frente, buscando refrigerio:

Más pronto las aparta, que unas manos
Y una encendida frente
Lo sostienen del otro lado

Ángel Crespo

Tuesday, January 30, 2007

Quatro escritores para um prémio






Lídia Jorge, Mário de Carvalho, José Luís Peixoto e Gonçalo M.Tavares vão estar presentes, em Março, na cerimónia de apresentação de romances da sua autoria, candidatos ao prémio italiano Giuseppe Acerbi.Portugal foi, este ano, o país seleccionado e as obras escolhidas - traduzidas em italiano - são as seguintes "O vale da paixão" (Lídia Jorge); "Um deus passeando pela brisa da tarde" (Mário de Carvalho); "Jerusalém" (Gonçalo M. Tavares); e "Morreste-me" (José Luís Peixoto). Num rol de países one se conta a Nigéria, a Finlândia, Brasil, Áustria, Eslovénia, Rússia, Canadá, entre outros, chegou a vez da distinção a um escritor português. O nome do vencendor será anunciado no dia 14 de Julho.

Sunday, January 28, 2007

A viagem inacabada





Entrevista a José Fonseca e Costa

São mais as viagens que fazemos do que os destinos. As viagens de José Fonseca e Costa são quase borgianas. Coleccionam-se memórias, encontros, livros, imagens. Fonseca e Costa, uma das grandes referências do cinema português, assina agora a encenação da peça “Pequenos Crimes Conjugais”, de Eric Emmanuel-Schmitt, que conta com as interpretações de Paulo Pires e Margarida Marinho. Porque viajamos sempre em busca de alguma coisa. Pela cidade, na tela ou no palco. Uma viagem inacabada que se nos oferece para que sejamos nós a completá-la.


Entrevista conduzida por Margarida Gil dos Reis


Como surgiu o seu fascínio pela 7ª arte?
Desde pequeno que me lembro de ir ao cinema. Até aos meus onze anos vivi no paraíso, numa terra chamada Caala, em Angola, onde começa o planalto de Benguela, a 1800 metros de altitude, onde a natureza era exuberante e o grande divertimento eram as sessões de cinema à quarta-feira e ao domingo, dia em que chegavam à estação de caminho de ferro os filmes vindos do litoral...

Quando chegou a Portugal o interesse pelo cinema manteve-se…
Fui um assíduo espectador de cinema, desde a mais tenra idade e quando aos onze anos de idade cheguei a Lisboa, o cinema passou a ser um hábito quotidiano. Naquela época toda a gente ia ao cinema, não havia televisão, em todos os bairros havia as chamadas salas de “reprise”, com sessões duplas, dois filmes de géneros diferentes projectados um a seguir ao outro: um filme de aventuras, um filme dramático ou cómico. Ir às matinées do “Palácio”, do “Lys”, do “Rex” era uma festa. Sem contar com a programação dos cinemas de estreia, as grandes salas de Lisboa desse tempo, como o Tivoli, o São Luís, o Eden, onde se estreavam filmes de todas as proveniências. Nesse tempo não estávamos “condenados” a ver apenas filmes americanos, era forte a presença de outras cinematografias, nessa época florescentes, como a italiana, a francesa, a espanhola, a sueca e até a indiana. Recordo-me dos grandes filmes indianos do “Palácio”, designadamente do “Prestígio Real”, que marcou uma geração com a opulência dos seus exóticos décors, o pendor desmesurado pelo melodrama romântico, onde a menina pobre casava sempre com o belo filho do marajá depois de vencidas contrariedades aparentemente intransponíveis, tudo acompanhado por canções e músicas de fazer chorar as pedrinhas da calçada... Era também um impenitente frequentador de todos os filmes portugueses, do “Aniki-Bóbó” às “Capas Negras”, do “Pai Tirano” e da “Canção de Lisboa” ao “Camões”, a Milú, a Carmen Dolores, a Leonor Maia contavam entre as minhas actrizes favoritas. Para não lhe falar da “paixão” que agarrei pela Amália e pelo Virgilio Teixeira quando vi “Fado, História de Uma Cantadeira”, do Perdigão Queiroga.

Lembra-se de alguns filmes que o tenham, desde logo, marcado?
Existem dois ou três filmes vistos na minha infância em Angola que me povoaram sonhos e pesadelos tais como “O gato e o canário”, “Quatro penas brancas” ou “A fortaleza do silêncio”, sem esquecer os filmes do Tarzan onde nos era mostrada uma África estilizada que depois queríamos transferir para as nossas brincadeiras infantis.
Quando cheguei a Lisboa senti grandes dificuldades na adaptação à cidade e devo dizer que a procura das salas de cinema, espalhadas pelos diferentes bairros e onde encontrava os filmes com os quais alimentava a minha capacidade de sonhar, contribuiu muito para começar a conhecer e a amar Lisboa. Uma das coisas que fazia todos os dias era descobrir a cidade a pé, ou de eléctrico, quase sempre à procura de uma sala de cinema. Lisboa era então uma cidade com outra dimensão, muito mais humana e interessante, repleta de cinemas. Frequentava todas as sessões a que podia ir, as sessões duplas à tarde e, muitas vezes também a sessão da noite. O cinema era o meu grande alimento, juntamente com a Literatura e o Teatro.

Desde quando é que teve o impulso de seguir o cinema como carreira?
Houve um filme durante cuja projecção terei tido pela primeira vez o desejo, o impulso de passar para o outro lado e descobrir como é que se fazia: era o “The Third Man”, com a avassaladora presença de um actor que me fascinava, a quem eu atribuía todos os méritos do filme, aliás injustamente porque não dava atenção - a tal ponto era forte e excessiva a presença do Orson Welles - ao enorme talento do Carol Reed e, sobretudo, ao prodigioso autor da trama dramática, o escritor Graham Greene.
Dois ou três anos depois disso e depois de ser dissuadido pelo meu Pai de ir para o estrangeiro estudar cinema, entrei para a Faculdade de Direito mas permaneceu em mim o desejo de um dia vir a fazer cinema. Os filmes de que mais gostava eram filmes com tramas muito densas, com um fundo de mistério, como é o caso de “Gilda”, de Charles Vidor, injustamente considerado um cineasta menor, que estreou no Condes precedido de uma tal reputação de ousadia que o proibiu a censura, a pedido do patriarcado, quatro dias depois da sua estreia, à qual havia assistido já que a sua intérprete feminina era uma das minhas actrizes de eleição, a Rita Hayworth. Mas os meus filmes favoritos eram sem sombra dúvida os italianos, nos quais, à densidade da trama narrativa se aliava uma autenticidade que me tornava participante, interveniente “indirecto” da história que estava não só a ver mas a sentir, a viver. “Arroz Amargo” de Giuseppe de Santis foi, talvez, o primeiro desses filmes, inesquecível a vários títulos, o primeiro dos quais é a sensualidade fortíssima daquela que viria a ser um dos maiores ícones do cinema, a Silvana Mangano no desempenho de uma camponesa trabalhando nos arrozais.

Sendo Lisboa uma cidade marcada pelo peso da censura, de que forma isso afectava o cinema e os espectadores?
Apesar desse clima de repressão, o cinema tinha uma grande importância na cidade. Chegavam a Lisboa filmes de todas as proveniências, desde os grandes filmes franceses, italianos, ingleses, americanos, espanhóis até aos filmes de países distantes como a Índia e o Japão. A censura exercia a sua tenebrosa missão de mutilar alguns desses filmes mas a verdade é que chegavam até nós, podíamos vê-los. Hoje, como sabe, estamos totalmente ocupados pela cinematografia americana e cortados do acesso a outras cinematografias - estoutra forma de censura do mercado porventura tão violenta como a outra e com certeza mais nociva porque nos impede o conhecimento doutras cinematografias.

Qual foi a cinematografia que mais o impressionou?
A partir do momento em que comecei a consumi-la foi, como já disse, a cinematografia italiana. “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini, “Ladrões de Bicicletas”, de Vittorio De Sica, “Belissima” de Visconti, “Crónica de Um Amor” de Antonioni”, “Os Inúteis” do Fellini, eu sei lá, não parava tão de-pressa de citar nomes de cineastas e títulos de filmes, desde o Pitero Germi de “O Ferroviário” a Alberto Lattuada, Mario Monicelli, Luigi Camerini, Renato Castellani…

A experiência, em 1961, ao trabalhar com Antonioni, na rodagem do filme “O Eclipse” foi também marcante para a consolidação do cinema na sua vida…
Foi, sem dúvida, uma experiência marcante. Pedi uma bolsa, que me foi aliás recusada e fui para Itália de propósito para trabalhar com ele e com o Luchino Visconti. Sabia que o Antonioni estava a preparar “O Eclipse”, estando o Visconti a escrever com a Suso Cecchi d’Amico a adaptação de “Il Gattopardo”. Acabei por estagiar apenas com o Antonioni porque se atrasou a produção do filme do Visconti. Roma, nessa época, tinha um ambiente absolutamente extraordinário, de resto recriado na perfeição pelo Federico Fellini em “La Dolce Vita”. Interessava-me igualmente por um certo cinema francês, um cinema porventura mais literário, “ filosófico”, de cineastas como o René Clair ou o Max Ophuls do “Le Plaisir” e do “La Ronde”, de “Carta de Uma Desconhecida” e de “Madame De...”, sem esquecer o Jacques Becker, autor do filme que terei visto mais vezes a tal ponto o considero apaixonante em todos os seus pormenores, “Casque d’Or”, um filme onde se conta uma comovente história de amor entre uma prostituta e um carpinteiro no “bas fond” de Paris de finais do século XIX. Fui ainda marcado por algum cinema americano que nos chegava então, curiosamente de alguns cineastas que nem sempre eram tidos como os maiores, como o Michaell Curtis do “Casablanca”, o Howard Hawks do “To Have and Have Not”, o John Huston do “The Maltese Falcon”. Não me foi de todo indiferente um grande cineasta francês, Jean Renoir, a quem considerei sempre como um génio, capaz de narrar com exemplar simplicidade conflitos da maior complexidade.

A Literatura foi também um dos alimentos paralelos ao cinema?
Foi. O meu Pai tinha em casa os livros do Camilo Castelo Branco, cuja leitura sempre me empolgou, mais tarde tomei contacto com os nossos clássicos, a leitura ocupava muito do meu tempo, comprazia-me a ler. Assim fui tomando contacto com a grande literatura do século XIX, dos grandes clássicos russos aos franceses. Se tiver que falar das minhas predilecções terei que referir o Guy de Maupassant, Stendhal, Proust, que lia como se cada pedaço da sua obra fosse, por si só, uma história, mas também Joyce, que descobri alguns anos mais tarde. Deixo para o fim o “D.Quixote”, do Cervantes, livro cujas aventuras ainda hoje são frequentemente o sujeito da minha leitura.

Para além da obra dos vários escritores que adaptou a cinema, como David Mourão Ferreira ou José Cardoso Pires, existe alguma obra que ainda deseje adaptar a cinema?
Há um livro que ficou por fazer, sendo que o filme está todo escrito por um dos maiores dramaturgos da África do Sul, Barney Simon. Ele e o Athol Fuggard são dois dos mais importantes dramaturgos e escritores deste país, tendo fundado, nos anos 70, em pleno “apartheid” o Market Theatre onde pude ver alguns dos mais belos espectáculos de teatro a que assisti na minha vida. Tive o privilégio, mais tarde, de conhecer o Barney Simon, por intermédio de amigos comuns ligados ao ANC - o Joe e a Ruth Slovo - pais Shawn Slovo que começara no cinema em Nova York como “script-editor” do Robert De Niro e do Martin Scorsese em “The Raging Bull” e que, depois, me ajudou a escrever “A Balada da Praia dos Cães”. Conheci o Barney Simon em Londres, em cada de amigos comuns, numa altura em que fora sugerida a adaptação ao cinema do primeiro romance do Miguel Torga. Tratava-se de “O Senhor Ventura”, um romance que conta as venturas e desventuras de um jovem camponês oriundo de uma aldeia do Portugal profundo que as vicissitudes da vida levam até à China e à Mongólia, onde é protagonista de grandes aventuras. Quando o livro foi publicado, nos primórdios dos anos 40 a crítica não lhe foi favorável e o Torga retirou o livro do mercado. Anos mais tarde, e depois do reconhecimento público enquanto grande escritor, Miguel Torga voltou a publicar este romance, então já recebido como um grande livro. Alguns anos antes já tinha tido um contacto com o Torga a quem solicitara o recurso à utilização de uma página sobre Évora do seu “Diário” para utilizar como texto de fundo de uma curta-metragem que sobre esta cidade me fora encomendado. Este facto deu lugar a um incidente próprio dos anos negros do fascismo e da repressão: depois de visto o filme, a Comissão de Censura obrigava-me a cortar algumas palavras do texto de Miguel Torga. Recusei o corte - o que implicava a proibição do filme - tendo entretanto relatado a ocorrência ao Miguel Torga que me escreveu uma carta concisa, curta e precisa como só ele sabia escrever, onde me aconselhava a fazer a vontade à Censura já que “o que eu escrevi e publiquei já eles não conseguem cortar e será mais importante a saída do seu filme do que a sua proibição já que as imagens, que eles pelos vistos não cortam, falam pelas palavras que à força os esbirros da censura escamotearam.” A partir dessa altura fiquei-lhe sempre muito ligado. Ao surgir a hipótese de fazer “O Senhor Ventura”, cuja acção começava em Portugal e logo se espalhava pelo Mundo, convidei o Barney Simon para me ajudar na tarefa de adaptar o livro ao cinema. O filme está vertido num admirável “screenplay” do Barney Simon que além de romancista e dramaturgo escrevera vários filmes para o cineasta novaiorquino Paul Mazursky. A sua produção - assegurada por financiamentos de uma produtora inglesa em associação com uma produtora portuguesa e outra de Macau - foi suspensa quando começou a guerra do golfo, numa altura em que já estavam bastante adiantados os trabalhos de preparação.

As condições actuais do cinema português têm, de algum modo, contribuído para a não realização deste tipo de projectos?
Acho que posso resumir o estado do cinema português dizendo que as condições que temos actualmente são medíocres e inadequadas ao que é, hoje em dia, a criação cinematográfica. É muito difícil acalentar projectos que estejam para além do que está definido pela bitola das leis medíocres pelas quais o Estado português entende dever financiar uma indústria cultural tão importante como o cinema, reduzido, por falta de visão, a uma pequenez que não suscita a sua assimilação pelos públicos a que devia destinar-se. Os filmes portugueses produzidos com o colete-de-forças de tão mesquinhas leis nascem e morrem ingloriamente no Portugal dos pequeninos. As leis em vigor tratam os cineastas como se fossem esmoleres do Estado, dependentes dos vários poderes, desde o poder político ao poder dos “lobbies” intelectuais. Além disso, não cuidam sequer de assegurar o acesso dos filmes que o Estado financia ao mercado cinematográfico completamente dependente do cinema americano.

Assina agora a encenação da peça “Pequenos Crimes Conjugais”. O teatro foi também uma arte presente ao longo do seu percurso?
Sempre tive uma grande curiosidade por tudo o que fossem ficções, filmadas, cantadas ou representadas. A certa altura da minha vida cheguei a considerar a hipótese de ser actor mas já estava muito empenhado no cinema. O meu interesse pelo teatro sempre existiu. Alguns dos meus melhores amigos estão no teatro. Fiquei, no entanto, preso à maldição de ter sido proibido pelo regime salazarista de fazer determinadas coisas, entre elas o cinema documentário ou de ficção, cuja produção dependia de financiamentos do Estado para quem eu era “personna non grata” em virtude da minha actividade política de oposição ao regime fascista. Como, na época, o cinema publicitário emergia e a minha competência profissional fosse reconhecida dediquei-me à produção e realização de filmes publicitários, actividade que foi o meu ganha-pão nos anos 60 e 70.


Quais são as fronteiras entre o teatro e o cinema?
Do ponto de vista da sua estruturação são universos totalmente diferentes. No entanto, ambos servem para contar histórias e neles reside o papel preponderante dos actores. São os actores que dão vida, carne, sangue e alma às personagens, quer dos filmes, quer das peças de teatro. Gosto muito de trabalhar com actores e de os pôr as fazer as coisas que estão escritas, sugeridas e imaginadas num texto para, em seguida, serem transmitidas ao público. Tanto no cinema como no teatro a principal tarefa de quem pretenda “dirigir” reside no trabalho com os actores que são, simultaneamente, os melhores aliados e os maiores inimigos de quem se proponha dirigi-los. Quem dirige um filme ou uma peça de teatro tem que ser capaz de estabelecer o ponto de encontro onde acaba o ódio e começa o amor e será nesse fio da navalha que as coisas se irão sempre passar sem que se saiba, ao certo quem ganha a partida, se o bem-amado, se o mal-amado... No meu caso, começo por procurar assimilar o texto que pretendo transpor para o palco, escolhendo depois para o desempenho dos papéis os actores cuja personalidade mais se aproxime, física e animicamente, das personagens às quais vão dar corpo e voz. Limito-me a provocar nos actores o bastante para fazerem as coisas de um modo que eu entenda ser aquele que melhor serve para transpor um texto para a realidade de um palco onde os actores terão que fazer bem aquilo que as pessoas fazem mal na vida. Ou seja, remeto-me à condição de primeiro espectador... Sou, portanto, um espectador privilegiado, com o temor reverencial de que os outros espectadores não assumam o meu ponto de vista.

O palco onde terá lugar esta peça ["Pequenos Crimes Conjugais", Fevereiro de 2007] desconstrói, no entanto, o conceito de palco ‘à italiana’. Quais foram as opções, em termos de encenação, ao ser confrontado com o espaço?
Não dispor de um palco à italiana para a minha experiência teatral começou por me assustar, primeiro porque estes “Pequenos Crimes Conjugais” correspondem, na sua estruturação dramática ao espaço do palco em que só há uma “parede” de público. Aceitei o desafio quando me apercebi de que o “espaço” colocado à minha disposição, com duas frentes de público, me permitia trabalhar como se estivesse num filme para o qual o produtor me impusesse a utilização do “écran largo” - o do Cinemascope . Como a peça do Eric Emmanuel-Schmitt tem apenas um acto de longa duração e a minha preferência em termos de estruturação de um filme vai no sentido do recurso frequente ao “plano sequência”, organizei uma “mise-en-scène” em tudo idêntica à que estrutura um filme: será uma peça de teatro em plano sequência e em écran largo...

Os actores, Paulo Pires e Margarida Marinho, corresponderam, no entanto, às suas expectativas?
Estou a trabalhar com dois grandes actores, pessoas de enorme sensibilidade e competência profissional Ambos são capazes de dar todas as facetas das duas personagens que interpretam. E falamos de personagens de uma grande complexidade que passam com frequência de um registo para o seu oposto.

Quando assistiu à estreia desta peça, em Paris, o que é que mais lhe despertou interesse?
Eu já conhecia o Eric Emmanuel-Schmitt pois tinha lido dois dos seus romances e, apesar de nunca ter visto nenhuma das suas peças, sabia que ele tinha escrito para teatro. De repente, li que ele tinha escrito esta peça para a Charlotte Rampling, uma das minhas actrizes de cinema de eleição, uma personagem enigmática, distante mas, ao mesmo tempo, de uma enorme sensibilidade e para um dos grandes actores franceses, o Bernard Giraudeau. Os “Pequenos Crimes Conjugais” estavam a ser representados em Paris, no Théâtre Edouard VII, em 2003, numa época em que, por coincidência, eu estava na cidade a fazer a mistura de um dos meus filmes, facto que me permitiu ver logo a peça. Interessei-me logo muitíssimo pela peça, um interesse que surgiu, em primeiro lugar, pela trama em si. Esta é a história de um homem e de uma mulher, ambos intelectuais, que vivem juntos há 15 anos na mesma casa, mas que, a dado momento, se apercebem que há qualquer coisa que poderá estar errado. Nasce então a desconfiança: ele não sabe se ela continuará a gostar dele, ela tem quase a certeza que ele tem outras mulheres e, por isso, perdeu o interesse por ela. A partir do momento em que este conflito se instala existe toda uma sucessão de acontecimentos que leva ao internamento dele com uma crise de amnésia. A peça começa justamente nesse momento em que, após 15 dias de internamento, ele regressa a casa. A mulher tentará fazê-lo lembrar da sua própria casa, apesar de ele estar perdido, sem qualquer referência. Tudo o que acontece a partir deste momento é absolutamente inesperado até ao desfecho.

*Publicada no Jornal do TNDMII e no site www.teatro-dmaria.pt